A energia que vem do invisível
A ideia de gerar energia a partir da divisão de átomos parece saída da ficção científica, mas é uma realidade há mais de 70 anos. A usina nuclear representa uma das tecnologias mais complexas e potentes já desenvolvidas pelo ser humano. Diferente das termelétricas que queimam carvão ou das hidrelétricas que usam a força da água, ela transforma a instabilidade do núcleo atômico em uma fonte de calor extraordinária. Mas como isso é possível?
O que é uma usina nuclear?
Uma usina nuclear é uma instalação construída para aproveitar o calor liberado durante a fissão nuclear, que ocorre no núcleo de átomos instáveis como o urânio-235 ou o plutônio-239. Esse calor aquece água, produz vapor e movimenta turbinas, gerando eletricidade. Parece simples, mas cada etapa envolve tecnologia de ponta e protocolos rígidos de segurança.

Como funciona a fissão nuclear
A base de tudo: dividir o núcleo atômico
A fissão nuclear ocorre quando um nêutron atinge o núcleo de um átomo de urânio-235, que se divide em dois núcleos menores, liberando uma enorme quantidade de energia em forma de calor e mais nêutrons. Esses novos nêutrons podem atingir outros átomos de urânio, criando uma reação em cadeia controlada — é isso que sustenta a operação do reator.
Reatores nucleares: o coração da usina nuclear
O reator é onde ocorre a fissão. Dentro dele, as barras de combustível (geralmente de urânio) são inseridas em estruturas chamadas de elementos combustíveis. Os moderadores, como a água ou grafite, reduzem a velocidade dos nêutrons, permitindo que a reação em cadeia ocorra de forma estável. E as barras de controle, geralmente feitas de boro ou cádmio, absorvem nêutrons para controlar a taxa da reação.
Etapas do processo de geração de eletricidade
1. Geração de calor: onde tudo começa
A etapa inicial ocorre dentro do reator nuclear, mais especificamente no vaso de pressão do reator, que abriga o combustível nuclear — normalmente barras de urânio-235 ou plutônio-239. Quando a fissão nuclear acontece, a divisão do núcleo do átomo libera uma quantidade impressionante de energia térmica.
Esse calor é absorvido por um fluido refrigerante, geralmente água pressurizada, no chamado circuito primário. Essa água é mantida sob alta pressão (normalmente acima de 150 atmosferas) para que não entre em ebulição mesmo com temperaturas acima de 300 °C. Esse controle é essencial para garantir que a transferência de calor seja estável e eficiente. A alta temperatura obtida nessa fase será fundamental para movimentar todo o sistema de geração elétrica.
Essa etapa também envolve importantes mecanismos de segurança: o circuito primário é isolado, blindado e constantemente monitorado para evitar vazamentos de material radioativo. Caso o sistema detecte falhas, barras de controle são imediatamente acionadas para desacelerar ou interromper a fissão.
2. Produção de vapor: o poder da transferência de calor
No gerador de vapor, o calor do circuito primário é transferido para o circuito secundário, sem que haja contato direto entre os dois fluidos — essa separação é fundamental para evitar contaminação radioativa do vapor que move as turbinas.
A água do circuito secundário, que está a uma pressão mais baixa, entra em ebulição ao receber o calor vindo do circuito primário e se transforma em vapor seco e pressurizado. Esse vapor possui energia suficiente para movimentar grandes massas com eficiência e regularidade. Essa etapa se assemelha ao funcionamento de uma chaleira gigante, mas com controles automatizados de temperatura, pressão e fluxo contínuo.
Esse vapor gerado é limpo, ou seja, não é radioativo, o que permite o uso seguro nas turbinas e gera menos preocupação quanto ao manuseio.
3. Movimento das turbinas: convertendo calor em eletricidade
Com o vapor sob pressão, a próxima etapa é a conversão de energia térmica em energia mecânica. O vapor é canalizado em alta velocidade até as turbinas de alta eficiência, compostas por pás metálicas robustas que giram quando atingidas pelo fluxo.
As turbinas estão conectadas a geradores eletromagnéticos — grandes bobinas que, ao girarem dentro de um campo magnético, produzem corrente elétrica alternada. Esse é o mesmo princípio básico que rege as hidrelétricas ou usinas termelétricas, mas no caso das nucleares, a fonte de calor é a fissão nuclear.
Essa etapa é altamente eficiente: uma única usina nuclear de porte médio pode produzir entre 1.000 e 1.500 megawatts de energia elétrica, o suficiente para abastecer milhões de residências.
Outro ponto importante é o controle de velocidade. Para evitar oscilações que comprometam a rede elétrica, o sistema de turbinas possui controladores automáticos de rotação e válvulas de segurança que mantêm o ritmo constante.
4. Condensação e reinício do ciclo: reciclando o sistema
Depois de atravessar as turbinas, o vapor perde parte de sua energia e precisa ser transformado novamente em água para continuar o ciclo. Isso acontece no condensador, onde o vapor entra em contato com uma rede de tubos resfriados — geralmente por água de rios, lagos ou do mar, em um sistema de refrigeração separado e independente dos circuitos internos da usina.
Ao ceder calor ao sistema de resfriamento externo, o vapor se condensa, retornando ao estado líquido. Essa água condensada é coletada e pressurizada por bombas de alimentação, retornando para os geradores de vapor e reiniciando o ciclo completo de geração.
Esse processo cíclico é uma das maiores vantagens da energia nuclear: ele funciona de forma contínua e previsível por longos períodos, com um alto fator de capacidade (geralmente superior a 90%). Isso significa que, diferentemente de fontes intermitentes como solar ou eólica, as usinas nucleares fornecem energia estável o tempo todo.
Onde estão as principais usinas nucleares?
Brasil
O país possui duas usinas em funcionamento: Angra 1 e Angra 2, localizadas em Angra dos Reis (RJ), e uma terceira em construção, Angra 3. Elas respondem por cerca de 2% da eletricidade do país.
Mundo
Países como França, Estados Unidos e Rússia possuem dezenas de usinas nucleares em operação. A França, por exemplo, gera cerca de 70% de sua eletricidade a partir da energia nuclear.
Casos famosos envolvendo usinas nucleares
Chernobyl (1986)
Um dos acidentes mais graves da história, causado por falhas de projeto e erros humanos. Até hoje, a região é considerada perigosa.
Fukushima (2011)
O terremoto e tsunami no Japão danificaram a usina e causaram liberação de radiação. O episódio reacendeu debates sobre os riscos da energia nuclear.
Three Mile Island (1979)
Nos EUA, um problema no sistema de refrigeração levou a um vazamento controlado. Embora sem vítimas, o evento gerou grande desconfiança pública.
Curiosidades sobre usinas nucleares
- Baixas emissões de carbono: Ao contrário de fontes fósseis, as usinas nucleares não emitem CO₂ durante a geração de energia.
- Altíssima densidade energética: 1 kg de urânio pode produzir tanta energia quanto 1 tonelada de carvão.
- Lixo radioativo: Apesar do pequeno volume, os resíduos gerados precisam ser armazenados por milhares de anos com segurança.
- Usinas submarinas: Submarinos nucleares usam o mesmo princípio das usinas civis, mas em versões miniaturizadas.
Energia nuclear é segura?
Mitos e verdades
- “Usinas nucleares podem explodir como bombas”: Falso. As usinas não têm os componentes explosivos de uma arma nuclear.
- “Radiação vaza o tempo todo”: Falso. Há múltiplas camadas de proteção e monitoramento constante.
- “O lixo nuclear é um problema insolúvel”: Em parte. Já existem tecnologias de reprocessamento e locais seguros para armazenamento.
Segurança reforçada
Depois de Chernobyl e Fukushima, os padrões internacionais foram endurecidos. As novas gerações de reatores contam com sistemas passivos de segurança, que funcionam mesmo sem energia elétrica.
Avanços e o futuro das usinas nucleares
Reatores de nova geração
Projetos como os reatores modulares pequenos (SMRs) e os reatores de fusão prometem mais segurança, menos resíduos e maior eficiência. A fusão, inclusive, simula o funcionamento do Sol, unindo núcleos em vez de dividi-los.
Países investindo pesado
China, Índia e Rússia lideram a corrida por novas usinas. Mesmo com o crescimento das fontes renováveis, muitos especialistas veem a energia nuclear como essencial para um futuro com menos emissões.
Uma tecnologia poderosa e promissora
A usina nuclear representa um marco no uso da ciência para resolver desafios energéticos. Apesar dos riscos, ela oferece vantagens significativas quando comparada a outras fontes: é estável, eficiente e tem potencial de ser mais limpa. Com novos avanços tecnológicos, o futuro dessa forma de energia parece cada vez mais promissor.
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Referências do texto e das imagens
Usina nuclear: entenda a ciência por trás da energia atômica
Fonte: IAEA – International Atomic Energy Agency
Usina nuclear: como ela gera eletricidade a partir de átomos
Fonte: HowStuffWorks
Usina nuclear: como funciona um reator passo a passo
Fonte: U.S. Department of Energy