O sonho de reunir todo o conhecimento humano
A Biblioteca de Alexandria nasceu de um ideal ambicioso: criar um repositório universal do saber humano. Localizada estrategicamente no delta do Nilo, a cidade de Alexandria foi fundada por Alexandre, o Grande, e mais tarde tornou-se um dos centros intelectuais mais importantes do mundo antigo. O projeto foi liderado por Ptolomeu I e seu filho Ptolomeu II, que investiram fortemente na aquisição de textos de todas as regiões conhecidas: da Grécia à Pérsia, da Índia ao Egito. O objetivo não era apenas conservar, mas estudar, comparar e expandir o conhecimento. Alexandria atraiu estudiosos de todo o mundo antigo e passou a representar a utopia do saber compartilhado e acessível.
Um centro de ciência e pesquisa avançada
O complexo da Biblioteca incluía o Mouseion, um templo dedicado às Musas, divindades da arte e do conhecimento. Esse espaço funcionava como uma espécie de universidade e laboratório, com salas de aula, estufas botânicas, zoológicos, instrumentos astronômicos e até salas para dissecação de corpos humanos — algo extremamente avançado para a época. Eratóstenes, por exemplo, utilizou cálculos geométricos baseados na sombra do Sol para medir a circunferência da Terra com impressionante precisão. Outros nomes notáveis que passaram por lá incluem Herófilo, que estudou o sistema nervoso, e Hiparco, que contribuiu para a astronomia e criou um catálogo de estrelas. Esses avanços demonstram como a Biblioteca de Alexandria era mais do que um arquivo: era um verdadeiro celeiro de descobertas científicas.
Rolos confiscados e copiados nos portos
Para expandir seu acervo, os governantes ptolemaicos adotaram uma política implacável: toda embarcação que atracava no porto de Alexandria tinha seus livros e documentos apreendidos temporariamente. Esses materiais eram levados aos escribas da biblioteca, copiados à mão com rigorosa fidelidade e, em muitos casos, os originais eram retidos, devolvendo-se apenas as cópias. Esse método permitiu à Biblioteca reunir uma das coleções mais abrangentes do mundo antigo, incluindo obras que desapareceram completamente da história. O processo era supervisionado por bibliotecários-chefes, como Zenódoto de Éfeso e Aristarco de Samotrácia, que também organizavam, classificavam e comentavam os textos, criando um sistema rudimentar de catalogação que influenciou bibliotecas futuras.

A destruição: quem foi o responsável?
A destruição da Biblioteca de Alexandria continua sendo um dos maiores mistérios da história. Existem registros fragmentados e contraditórios sobre sua queda. O primeiro episódio possível foi em 48 a.C., durante a guerra civil entre Júlio César e Pompeu. Durante o cerco à cidade, César teria ordenado queimar navios no porto, mas o fogo teria se alastrado para os depósitos de livros. Outra versão aponta para o imperador cristão Teodósio I, que ordenou o fechamento de templos pagãos no século IV, incluindo possivelmente o complexo da biblioteca. Por fim, há relatos de que, no século VII, após a conquista árabe do Egito, o califa Omar teria autorizado a destruição dos rolos restantes sob o argumento de que, se os livros contrariavam o Alcorão, eram heréticos; se o confirmavam, eram desnecessários. A maioria dos historiadores modernos acredita que a perda foi gradual e multifatorial, somando negligência, fanatismo religioso e conflitos armados ao longo de séculos.

Saberes que nunca recuperamos
A verdadeira dimensão do que foi perdido na Biblioteca de Alexandria talvez nunca seja conhecida. Relatos sugerem que o acervo continha manuscritos originais de autores como Sófocles, Eurípides e Aristóteles, tratados médicos egípcios milenares, textos filosóficos da Índia antiga, além de mapas e teorias astronômicas que poderiam ter antecipado descobertas modernas. Há quem acredite que registros sobre tecnologias perdidas, como o fogo grego ou máquinas hidráulicas complexas, estivessem entre os pergaminhos destruídos. A ausência dessas obras forçou a humanidade a recomeçar diversos estudos do zero — séculos depois. A destruição da Biblioteca de Alexandria é, para muitos, o símbolo definitivo de como a intolerância e a negligência podem sufocar o avanço da civilização.
Mulheres entre os intelectuais
Alexandria foi uma exceção notável em um mundo onde a educação feminina era praticamente inexistente. Um dos maiores exemplos foi Hipátia de Alexandria, filha do matemático Teon. Ela não apenas dominava a matemática e a astronomia, mas também liderava aulas públicas que reuniam alunos de diferentes religiões e regiões. Seus ensinamentos iam além das ciências: abordavam ética, filosofia e política. Por sua postura racionalista e influência crescente, Hipátia foi assassinada brutalmente por uma turba de fanáticos religiosos em 415 d.C. Sua morte simboliza a violência contra o pensamento livre e a repressão ao papel feminino no saber. Apesar disso, seu legado ecoa até hoje como exemplo de coragem intelectual.
Inspiração para instituições modernas
A Biblioteca de Alexandria serviu como modelo para diversas instituições que vieram depois. Sua missão universalista inspirou a criação da Biblioteca Nacional da França no século XVIII, a Biblioteca do Congresso dos EUA e centros modernos como a World Digital Library. Em 2002, foi inaugurada a Bibliotheca Alexandrina, com apoio da UNESCO e arquitetura inspirada no design solar e na simbologia egípcia. O novo espaço inclui um planetário, museus, laboratórios, e capacidade para mais de oito milhões de livros. Embora nunca substitua a original, representa o renascimento de um ideal: o de tornar o conhecimento acessível a todos, sem barreiras culturais ou religiosas.

Um legado que atravessa os séculos
Apesar de destruída, a Biblioteca de Alexandria permanece viva como símbolo do poder transformador do conhecimento. Sua história nos lembra que a preservação da cultura e da ciência é fundamental para o progresso das civilizações.
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Referências
Historical Eve – Origins and Acquisition of the Books in the Library of Alexandria
Fonte: Historical Eve
Live Science – Rise and Fall of the Great Alexandria Library
Fonte: Live Science
World History Encyclopedia – Library of Alexandria
Fonte: World History
Encyclopaedia Britannica – Library of Alexandria
Fonte: Britannica
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