O retorno de uma ameaça invisível
Em um mundo cada vez mais conectado e tecnologicamente avançado, as armas biológicas voltam a preocupar cientistas e governos. Ao invés de mísseis ou balas, o perigo agora pode vir de organismos microscópicos criados ou manipulados em laboratório.
A recente pandemia de COVID-19 mostrou como um patógeno pode paralisar o planeta. Mesmo que tenha origem natural, ela escancarou a fragilidade das nações diante de ameaças biológicas. E acendeu um alerta: o que aconteceria se um vírus, bactéria ou toxina fosse usado propositalmente como arma?

O que são armas biológicas?
As armas biológicas são agentes patogênicos — como vírus, bactérias ou toxinas — usados intencionalmente para causar doenças ou mortes em seres humanos, animais ou plantas. Ao contrário das armas químicas, que dependem de substâncias tóxicas, essas envolvem organismos vivos capazes de se multiplicar.
Elas são consideradas armas de destruição em massa. Podem ser letais, de difícil rastreio e causar pânico generalizado. O uso dessas armas é proibido pela Convenção sobre Armas Biológicas (CAB), assinada por mais de 180 países desde 1972. No entanto, o tratado possui falhas, especialmente no que diz respeito à fiscalização.

Casos reais: quando a biotecnologia foi usada como arma
Apesar da proibição internacional, há registros históricos de uso de armas biológicas:
Japão na Segunda Guerra Mundial
Durante a década de 1930 e início dos anos 1940, o Japão manteve um dos programas de guerra biológica mais cruéis da história. A Unidade 731, localizada na Manchúria, realizou experiências brutais com civis e prisioneiros de guerra chineses. Os cientistas militares testavam agentes como antraz, peste bubônica e cólera, infectando deliberadamente seres humanos para avaliar efeitos fisiológicos e formas de disseminação. Estima-se que mais de 10 mil pessoas morreram nos experimentos, que incluíam vivissecções sem anestesia. O caso foi abafado no pós-guerra, e muitos envolvidos foram anistiados em troca de dados científicos.
Antraz nos EUA (2001)
Pouco após os ataques de 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos enfrentaram outro tipo de terror: cartas com esporos de antraz foram enviadas a senadores e veículos de imprensa. Ao serem abertas, liberavam o patógeno letal, matando cinco pessoas e infectando pelo menos 17 outras. As investigações do FBI duraram anos e apontaram para um cientista do próprio laboratório governamental de biodefesa. O caso provocou um debate intenso sobre biossegurança e a vulnerabilidade do sistema postal e político a ataques biológicos. A tragédia impulsionou o investimento bilionário em laboratórios de contenção e detecção precoce.
Programa soviético Biopreparat
Apesar de ter assinado a Convenção sobre Armas Biológicas em 1972, a União Soviética manteve por décadas o maior e mais avançado programa secreto do mundo nessa área: o Biopreparat. Essa rede de laboratórios militares e civis produziu em larga escala varíola geneticamente modificada, antraz, peste e outras doenças com capacidade ofensiva. Cientistas soviéticos desenvolveram cepas resistentes a vacinas e antibióticos. Estima-se que milhares de toneladas de agentes biológicos foram armazenadas. O programa só foi parcialmente revelado após a queda da URSS, quando ex-cientistas desertaram e denunciaram os riscos acumulados durante a Guerra Fria.
A nova corrida científica: manipulação genética e bioengenharia
Com o avanço da biotecnologia e da engenharia genética, surge um novo temor: a criação de organismos modificados com maior capacidade de contágio ou letalidade. Tecnologias como o CRISPR-Cas9, que permite edição de genes com extrema precisão, levantam dilemas éticos.
Em laboratórios civis e militares ao redor do mundo, cientistas conseguem modificar vírus e bactérias para estudar seu comportamento. A prática é chamada de “ganho de função”, e seu objetivo é prever como um patógeno pode evoluir. Porém, isso abre margem para a criação acidental (ou proposital) de supervírus.
Governos como o dos Estados Unidos e da China investem bilhões em biossegurança, tanto para se proteger quanto para se antecipar. A desconfiança mútua entre potências já levou muitos especialistas a afirmar que estamos vivendo uma nova corrida armamentista biológica.
Fatos curiosos e detalhes surpreendentes
- O custo de produção de uma arma biológica é extremamente baixo. Com menos de 10 mil dólares, seria possível criar um vírus em laboratório, dependendo do nível de acesso e conhecimento técnico.
- Em 2001, um estudo da ONU alertou que um ataque biológico massivo com varíola poderia causar milhões de mortes em semanas, devido à rápida disseminação.
- Muitos países mantêm laboratórios de “duplo uso” — ou seja, voltados à pesquisa científica, mas que também podem ser adaptados para fins militares.
- Em 2023, um documento interno do governo norte-americano revelou que hackers tentaram acessar dados sobre vírus modificados em laboratório, levantando suspeitas sobre espionagem científica.
Bioterrorismo e o risco silencioso
Além do uso por Estados, existe o temor crescente de que grupos terroristas possam recorrer a armas biológicas. O bioterrorismo é atraente justamente porque não requer grandes estruturas: bastam frascos, conhecimento básico e acesso a patógenos.
Organizações como o Estado Islâmico já declararam intenção de adquirir agentes biológicos. Embora não existam ataques confirmados de larga escala até hoje, os serviços de inteligência global tratam o tema com prioridade máxima.
Como o mundo tenta se proteger?
A defesa contra armas biológicas é complexa. Envolve:
- Monitoramento internacional de laboratórios e pesquisas sensíveis.
- Investimento em vacinas e tratamentos de ação rápida.
- Planos nacionais de resposta a pandemias.
- Educação e protocolos hospitalares para reconhecer agentes incomuns.
Instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a CDC dos EUA trabalham com simulações de surtos biológicos. O desafio está em conciliar liberdade científica com segurança nacional.
O papel da ética e da transparência
Em tempos de avanço acelerado, muitos cientistas defendem a criação de um código ético internacional específico para biotecnologia. O temor não é apenas sobre o que pode ser feito, mas sobre o que deve ser evitado.
A transparência em torno de pesquisas de risco, o acesso público aos dados e a supervisão por comitês independentes são apontados como saídas possíveis. No entanto, com a tensão geopolítica atual, a colaboração internacional nem sempre é garantida.
Avanço científico ou ameaça global?
A pergunta que fica no ar é: até que ponto o avanço científico justifica a manipulação de agentes potencialmente catastróficos? Enquanto a ciência avança a passos largos, a humanidade enfrenta um dilema ético profundo.
O conhecimento que pode salvar milhões — criando vacinas, curas e prevenção — também pode ser usado para destruir. E, nesse equilíbrio delicado, a sociedade precisa manter os olhos bem abertos.
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Referências do texto e das imagens
O espectro sombrio das armas biológicas na guerra da Ucrânia
Fonte: The Conversation
Gênero e bioguerra: implicações éticas e estratégicas
Fonte: Observer Research Foundation (ORF)
Legislação dos EUA sobre armas biológicas
Fonte: The Federal Criminal Attorneys
Putin usaria armas químicas ou biológicas na Ucrânia?
Fonte: American University