O legado do Telescópio Hubble: um olhar além da atmosfera
O universo sempre despertou fascínio e curiosidade, mas foi com o lançamento do Telescópio Espacial Hubble, em 1990, que a astronomia entrou em uma nova era. Posicionado fora da atmosfera terrestre, o Hubble capturou imagens com clareza inédita e revelou informações que antes estavam escondidas atrás da distorção atmosférica.
Desenvolvido pela NASA em parceria com a ESA (Agência Espacial Europeia), o telescópio recebeu esse nome em homenagem ao astrônomo Edwin Hubble, que comprovou a expansão do universo. O equipamento foi enviado ao espaço a bordo do ônibus espacial Discovery, e desde então se tornou um dos maiores ícones da ciência moderna.

1. A aceleração do universo
Antes do Hubble, os cientistas acreditavam que a expansão do universo, causada pelo Big Bang, estava diminuindo devido à gravidade. No entanto, as observações realizadas pelo telescópio a partir de 1998 mudaram essa visão completamente. Utilizando supernovas do tipo Ia — estrelas que explodem em galáxias distantes com brilho previsível — astrônomos perceberam que essas supernovas estavam mais distantes do que se esperava. Isso indicava que o universo estava não apenas se expandindo, mas acelerando.
A descoberta levou à confirmação da energia escura, uma força invisível e ainda não compreendida que age em sentido contrário à gravidade e representa cerca de 70% da energia total do cosmos. O Hubble teve um papel essencial ao fornecer dados confiáveis e de longo alcance, que permitiram estabelecer esse novo paradigma. Em 2011, os responsáveis por essa descoberta — Saul Perlmutter, Brian P. Schmidt e Adam G. Riess — receberam o Prêmio Nobel de Física.
Hoje, a energia escura é uma das principais questões da cosmologia moderna, e o Hubble ajudou a colocá-la no centro das pesquisas científicas.
2. O campo profundo do Hubble e as galáxias primitivas
Em 1995, os astrônomos decidiram apontar o Hubble para uma região aparentemente vazia do céu, sem estrelas visíveis, por dez dias consecutivos. O resultado foi surpreendente: a imagem, batizada de Hubble Deep Field, revelou mais de 3 mil galáxias nunca antes vistas — algumas das quais se formaram apenas 500 milhões de anos após o Big Bang.
Essa fotografia histórica mudou a forma como compreendemos o universo. Ela mostrou que mesmo os espaços mais escuros do céu estão repletos de galáxias, o que implica que o número total pode ultrapassar dois trilhões. Além disso, permitiu estudar a estrutura das galáxias primitivas, oferecendo pistas sobre sua formação, fusão e evolução.
Posteriormente, o telescópio produziu versões ainda mais profundas, como o Ultra Deep Field (2004) e o eXtreme Deep Field (2012), que revelaram galáxias ainda mais distantes — e mais antigas — já registradas.
3. O nascimento das estrelas nas nebulosas
As imagens coloridas e de tirar o fôlego das nebulosas não são apenas belas: elas contêm uma riqueza de informações científicas. O Hubble permitiu observar em detalhe regiões de formação estelar dentro de nebulosas, como a da Águia, a de Órion e a de Carina.
A mais famosa, conhecida como “Pilares da Criação”, mostra gigantescas colunas de gás e poeira cósmica com vários anos-luz de extensão. Nessas colunas, novas estrelas estão se formando a partir do colapso gravitacional da matéria.
O Hubble registrou essas estruturas em comprimentos de onda visível e infravermelho, revelando tanto as estrelas jovens quanto os processos dinâmicos que ocorrem dentro das nuvens. Isso permitiu estudar como a radiação de estrelas recém-nascidas esculpe e modifica o ambiente ao redor, influenciando futuras gerações estelares.

4. Buracos negros nos centros galácticos
O Hubble forneceu as primeiras evidências diretas de que buracos negros supermassivos estão presentes nos centros da maioria das galáxias grandes. Utilizando seu espectrógrafo, os cientistas mediram a velocidade com que estrelas orbitam regiões centrais densas, deduzindo assim a existência de objetos com massas equivalentes a milhões ou até bilhões de sóis.
Por exemplo, o Hubble ajudou a mapear o movimento das estrelas ao redor do centro da galáxia M87, onde mais tarde o buraco negro foi fotografado pelo Telescópio do Horizonte de Eventos. Essa detecção e medição detalhada tornou possível relacionar o crescimento dos buracos negros com a própria evolução das galáxias, incluindo sua forma, tamanho e distribuição de massa.
Hoje, sabe-se que buracos negros supermassivos podem influenciar diretamente a formação estelar e até expulsar matéria por meio de jatos relativísticos.
5. Atmosferas de exoplanetas e sinais de vida
Apesar de não ter sido criado para isso, o Hubble foi pioneiro na caracterização das atmosferas de exoplanetas. Usando espectroscopia de trânsito — técnica em que se analisa a luz de uma estrela ao passar por um planeta — o telescópio detectou vapor d’água, metano, dióxido de carbono e até indícios de nuvens em mundos distantes.
Essas observações ajudaram a definir critérios para habitabilidade e mostraram que a diversidade de atmosferas planetárias é muito maior do que se imaginava. Um dos exemplos mais notáveis foi a análise da atmosfera do exoplaneta HD 209458b, onde o Hubble detectou evaporação atmosférica.
Essas informações permitiram prever quais planetas seriam candidatos interessantes para análises mais profundas com o James Webb, além de abrir caminho para missões futuras como a ARIEL e a LUVOIR.
6. Plumas em luas do Sistema Solar
Embora o Hubble seja famoso por olhar para os confins do universo, ele também realizou observações importantes em nosso próprio sistema solar. Um exemplo impressionante foi a detecção de plumas de vapor d’água sendo expelidas da superfície gelada da lua Europa, de Júpiter.
Essas plumas foram detectadas ao analisar o espectro de luz ultravioleta emitido quando Europa passava na frente de Júpiter, bloqueando parcialmente a luz. Isso indicava que jatos de água — provavelmente oriundos de um oceano subterrâneo — estavam sendo lançados para o espaço.
Essas observações mudaram completamente a forma como vemos luas geladas e contribuíram para o planejamento da missão Europa Clipper, que deve ser lançada em breve pela NASA. A possibilidade de que esses oceanos subterrâneos tenham energia e moléculas orgânicas aumentou o interesse científico na busca por vida fora da Terra — não em exoplanetas distantes, mas em corpos do nosso próprio sistema solar.
7. A confirmação das lentes gravitacionais
Uma das previsões mais notáveis da Teoria da Relatividade Geral de Einstein é o fenômeno das lentes gravitacionais, em que a luz de um objeto distante é desviada e ampliada pela gravidade de um corpo massivo no caminho.
O Hubble não só capturou imagens extraordinárias desse efeito — como nos aglomerados de galáxias Abell 2218 e MACS J1149.5+2223 — como também as utilizou para estudar objetos muito além do alcance de seus próprios sensores. A lente gravitacional funciona como uma lupa natural do universo, permitindo observar galáxias e supernovas que seriam invisíveis por métodos diretos.
Um caso famoso ocorreu em 2016, quando o Hubble observou a supernova Refsdal, cuja luz foi multiplicada por uma lente gravitacional. Foi a primeira vez que uma supernova pôde ser observada mais de uma vez devido à distorção gravitacional — um verdadeiro experimento natural da relatividade.
O impacto além das descobertas
Além dessas 7 descobertas, o Hubble contribuiu para mais de 20 mil estudos científicos, mediu com precisão a constante de Hubble e ajudou a calcular a idade do universo (13,8 bilhões de anos). Ele também foi fundamental para mapear a matéria escura e acompanhar fenômenos em tempo real, como explosões de raios gama e colisões cósmicas.

Educação, inspiração e legado
As imagens do Hubble não só revolucionaram a ciência, como também inspiraram milhões de pessoas ao redor do mundo. Presentes em exposições, livros e filmes, elas transformaram o telescópio em um símbolo da curiosidade humana e da busca pelo conhecimento.
Um pilar duradouro da ciência
Enquanto o Telescópio Espacial James Webb representa a próxima geração da observação astronômica, o Hubble continua indispensável. A principal diferença entre os dois está na faixa do espectro de luz que cada um observa. O Hubble opera principalmente na luz visível e ultravioleta, permitindo imagens detalhadas que se assemelham ao que o olho humano veria no espaço. Já o Webb é otimizado para o infravermelho, sendo ideal para observar as regiões mais frias e distantes do cosmos.
Isso significa que, juntos, os dois telescópios formam uma parceria poderosa. O Hubble pode identificar alvos de interesse em galáxias próximas e distantes, enquanto o James Webb aprofunda a investigação com maior sensibilidade no infravermelho. Muitos estudos atuais envolvem o uso combinado de dados dos dois, criando uma nova era de descobertas interdependentes.
Além de sua função científica, o Hubble é também um símbolo de cooperação internacional. Ele é o resultado de uma parceria entre a NASA e a ESA, e cientistas de todo o mundo utilizam seus dados por meio de propostas revisadas por comitês independentes. Essa abordagem colaborativa ajudou a democratizar o acesso ao conhecimento astronômico, incentivando pesquisadores em países com menor infraestrutura a participarem da ciência de ponta.
O Hubble também enfrentou desafios ao longo de sua jornada. Pouco após seu lançamento, os cientistas descobriram um defeito em seu espelho primário, que resultava em imagens borradas. No entanto, esse problema foi corrigido com sucesso em uma missão de manutenção em 1993, quando astronautas instalaram um sistema óptico de correção que restabeleceu a capacidade de foco do telescópio. Esse feito técnico foi considerado uma das maiores conquistas da engenharia espacial.
Ao longo das décadas, o Hubble passou por cinco missões de manutenção tripuladas, que atualizaram seus instrumentos e estenderam significativamente sua vida útil. Embora hoje não seja mais possível realizar manutenções semelhantes, o telescópio continua operacional e transmitindo dados valiosos à Terra.
Mesmo com eventuais falhas em giroscópios ou quedas temporárias de desempenho, as equipes da NASA seguem desenvolvendo soluções criativas para manter o Hubble ativo. Um exemplo disso foi a adaptação de seus modos de orientação para continuar funcionando mesmo com menos giroscópios do que o ideal.
Impacto cultural e mudança de paradigma
Em termos culturais, o impacto do Hubble é igualmente vasto. Suas imagens não apenas ilustram livros escolares e reportagens científicas, mas também figuram em obras de arte, campanhas publicitárias, capas de discos e mídias sociais. Essa presença constante transformou a imagem do cosmos em algo familiar, próximo, belo e acessível.
Outro aspecto frequentemente destacado é como o Hubble mudou nossa percepção do tempo e do espaço. Antes dele, a noção de universo era mais abstrata e limitada. Após sua entrada em operação, os dados revelaram que vivemos em um universo vasto, em expansão e repleto de galáxias com estruturas e histórias complexas. A ideia de que cada ponto de luz observado pode conter bilhões de estrelas tornou-se um conceito tangível graças ao Hubble.
O que esperar do futuro
E quanto ao futuro do telescópio? Embora seu tempo esteja se aproximando do fim, a NASA e a ESA ainda trabalham com estimativas otimistas de que ele possa continuar operando até o fim da década de 2020. Não há planos definitivos para trazê-lo de volta à Terra ou desativá-lo em breve, mas estudos consideram até mesmo uma missão robótica de reparo, caso haja viabilidade técnica e financeira.
Seja qual for o desfecho, o legado do Hubble já está garantido. Ele não apenas expandiu fronteiras científicas, como também despertou uma geração inteira de cientistas, engenheiros e sonhadores. Sua influência transcende os limites da astronomia e serve como lembrança de que, quando ciência, cooperação e visão de futuro se unem, o impossível se torna realidade.
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Referências
Campos Profundos do Hubble: explorando os confins do universo
Fonte: ESA/Hubble
Pilares da Criação: imagem icônica do Hubble na Nebulosa da Águia
Fonte: NASA
Hubble explora a formação e evolução de aglomerados estelares na Grande Nuvem de Magalhães
Fonte: ESA/Hubble
Referências das imagens
Telescópio Espacial Hubble: estrutura e missão
Fonte: NASA Science
Missão do Telescópio Espacial Hubble
Fonte: NASA Science
Hubble captura imagem deslumbrante do aglomerado estelar NGC 6558
Fonte: Space.com